Por Maria Cristina Cabral
As três primeiras décadas do século XX conformaram um período de grandes transformações urbanas, destacando-se a continuidade da renovação da área central e a estruturação e o embelezamento da zona sul da cidade. Variação e aumento dos tipos de edificações, início do processo de verticalização, introdução de novas técnicas construtivas, como o concreto armado, decorreram desse processo de transformação sócio-urbana, que abria novos mercados para profissionais da construção civil. Muitos profissionais estrangeiros, sobretudo europeus, ilustres ou anônimos, fizeram parte da construção dessa cidade que carecia de mão de obra especializada e de arquitetos e engenheiros diplomados capazes de suprir a demanda do mercado. Projetistas, técnicos, construtores e artífices de várias nacionalidades e especialidades empregaram seus conhecimentos na construção civil e na decoração.
Além do ritmo acelerado de construção na capital da República, destacam-se duas grandes ações urbanas levadas a cabo pelo poder público, desenvolvidas em processos que duraram vários anos: a Reforma Pereira Passos, e a preparação da Exposição Internacional do Centenário da Independência em 1922. Estes grandes eventos envolveram muitos profissionais estrangeiros pelas oportunidades de trabalho que geraram, ainda que estes não tenham aqui aportado em virtude das reformas.
Augusto Malta. Vista da Marechal Floriano. c. 1921. Clique para ampliar
A Reforma Pereira Passos, que culminou com a inauguração em 1905 da Avenida Central, atual Avenida Rio Branco, reuniu dezenas de profissionais estrangeiros. Entre eles destacamos os que tiveram uma presença continuada na cidade: Adolfo Morales de los Rios (1858, Sevilha – 1928, Rio de Janeiro), espanhol que projetou o atual Museu Nacional de Belas Artes e dezesseis outras edificações da avenida, além de outras dezenas na cidade. Na época, ele era o arquiteto de maior prestígio entre nós. A empresa Jannuzzi & Irmão, maior construtora da época, gerenciada por Antonio Jannuzzi (1855, Fuscaldo – 1949, Rio de Janeiro), construiu catorze edificações e projetou onze na avenida, além de dezenas de outras, a maioria já demolida. O italiano Raphael Rebecchi projetou cinco edificações e construiu outras quatro na avenida. Raphael fundou a empresa Rebecchi & Cia, continuada por seu filho Sylvio (1883-? ), que realizou obras importantes na cidade como a sede no Centro do Museu da Imagem e do Som e a atual Escola de Música da UFRJ, ambas de 1922.
Marc Ferrez. Vista da Academia de Belas Artes. c 1910. Clique para ampliar
A preparação para a Exposição de 1922 incluiu o desmonte do Morro do Castelo e a criação da Esplanada do Castelo, incrementando o processo de crescimento no coração na cidade com novos terrenos. A dupla de arquitetos franceses Emile Louis Viret (1881-?) e Gabriel-Pierre Jules Marmorat (1882-?) projetou o Pavilhão francês e algumas outras obras importantes na cidade, como o edifício Lafont, localizado na Cinelândia e primeiro edifício de apartamentos do Rio (já demolido), e o edifício Brasília nos anos 1930.
José Augusto de Paiva Meira. Hotel Glória. Clique para ampliar
Joseph Gire (1873, Puy-en-Velay – 1933, Arbérat) foi um dos arquitetos que contribuíram indiretamente para a Exposição ao projetar os dois grandes hotéis que abrigariam convidados importantes, o Hotel Glória (1922) e o hotel Copacabana Palace (1923), ainda que este último não tenha sido inaugurado a tempo. Gire teve um importante papel na cidade ao projetar edifícios inovadores na década de 1920. Além dos hotéis citados e da reforma do Palace Hotel, Gire projetou o primeiro edifício residencial de apartamentos de luxo da Praia do Flamengo (1923) e o mais alto arranha-céu da América Latina na época, sede do jornal A Noite (1929), em parceria com Elisiário Bahiana, atualmente Edifício Joseph Gire. Considerando-se a importância dos edifícios citados e a autoria de várias residências já demolidas, o escritório de Gire esteve entre os mais prestigiosos da cidade na década de 1920.
Estima-se que mais de uma centena de profissionais estrangeiros trabalharam na cidade nesse período e contribuíram para o desenvolvimento técnico da construção civil. Mas possivelmente esse número possa ter sido ainda maior, pois muitos edifícios já foram demolidos e seus responsáveis ainda permanecem desconhecidos.
Maria Cristina Cabral é arquiteta, urbanista e doutora em História. Professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e do Programa de Pós-Graduação em Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Coordena com Rodrigo Cury Paraízo a pesquisa: “Banco de dados em Arquitetura: presença estrangeira na cidade do Rio de Janeiro”, com apoio FAPERJ