Texto de abertura da exposição Rio: primeiras poses.
Em 19 de agosto de 1839, a França anunciou ao mundo a invenção da daguerreotipia, processo fotográfico desenvolvido por Louis-Jacques-Mandé Daguerre e Joseph-Nicéphore Niépce. Inaugurava-se, então, uma nova linguagem – a fotografia. Em 16 de janeiro de 1840, a daguerreotipia chegou ao Rio de Janeiro, por meio dos registros realizados no largo do Paço por Louis Compte, abade da corveta francesa Oriental. A partir de então, o campo da representação visual da paisagem urbana do Rio de Janeiro e de seus habitantes sofreu profundas transformações.
Marc Ferrez/ Coleção Gilberto Ferrez/ Acervo Instituto Moreira Salles. Vista a partir do Corcovado de Botafogo, Flamengo e Urca, Rio de Janeiro, c. 1885. Clique para ampliar
Nos primeiros 15 anos, a daguerreotipia foi um processo predominantemente voltado para o retrato, nos estúdios fotográficos estabelecidos na cidade. A partir do início da década de 1850, o desenvolvimento de novos processos fotográficos, especialmente o negativo em colódio sobre vidro e a fotografia em papel albuminado, permitiu a expansão da fotografia e de suas múltiplas aplicações. Tanto a fotografia de paisagem quanto o retrato passaram a poder ser realizados em suporte papel e em múltiplas cópias, agora possíveis por meio do processo negativo/positivo.
Composta por 450 imagens do Rio de Janeiro e de seus habitantes, Rio: primeiras poses reúne imagens de grandes mestres da fotografia brasileira e de fotógrafos anônimos e amadores que construíram a representação fotográfica do Rio de Janeiro durante o Segundo Reinado e nas primeiras quatro décadas da República.
Augusto Stahl/ Coleção Gilberto Ferrez/ Acervo Instituto Moreira Salles Código: 007A5P3F05-16 Igreja de Nossa Senhora da Glória do Outeiro, Rio de Janeiro, c. 1865 Albumina. Clique para ampliar
Nas fotografias das décadas de 1850 e 1860, a memória de uma paisagem urbana e de traços de uma arquitetura que se estruturou ainda no período colonial está presente e pode ser conferida nas fotografias de Augusto Stahl, Revert Henry Klumb, Victor Frond, Georges Leuzinger, Marc Ferrez e outros fotógrafos que documentaram a cidade nessa época.
Marc Ferrez estabelece-se comercialmente em 1867, e, a partir de meados dos anos 1870, passa a ser o principal nome da fotografia de paisagem e da documentação urbana no Rio de Janeiro. Em 1879, ele adquire um equipamento panorâmico de varredura, a câmera Brandon, que permite que se faça uma fotografia em 180 graus em chapas de vidro de grande formato. Único fotógrafo no país a realizar imagens nessa técnica, Ferrez consolida seu trabalho de fotografia de paisagem e de arquitetura entre as décadas de 1880 e 1910, realizando sua grande e última obra com a publicação do Álbum da Avenida Central.
Marc Ferrez/ Coleção Gilberto Ferrez/ Acervo Instituto Moreira Salles. Avenida Central na altura da Rua do Ouvidor, com rua Miguel Couto, Rio de Janeiro, c. 1906. Negativo de Vidro. Clique para ampliar.
A exposição também apresenta imagens que mostram as mudanças e as reformas urbanas promovidas no início do século XX, em particular na administração Pereira Passos (1902-1906), como a construção da Avenida Central, a inauguração da Avenida Beira Mar em direção à Glória, ao Catete, ao Flamengo e a Botafogo, as obras de melhoramento do porto do Rio de Janeiro e do Canal do Mangue, entre outras. Essas ações são registradas em particular por Augusto Malta, fotógrafo a serviço da Prefeitura e de empresas como a Light, que incorpora em suas imagens tanto a cidade como seus habitantes durante o popularmente denominado “bota-abaixo”, representado pelas obras de abertura da avenida Central e a posterior remoção do morro do Castelo.
Ferrez e Malta construíram com seus trabalhos o principal legado da fotografia para a memória da cidade na passagem do século XIX para o XX. Os principais avanços tecnológicos desse período estão representados na exposição, como o transporte urbano e a iluminação pública − totalmente reformulados com a chegada da energia elétrica −; o automóvel; o início da aviação; a mudança na relação das pessoas com a própria imagem fotográfica, que evolui para o cinema; as revistas ilustradas e o início do fotojornalismo; a redescoberta da fotografia estereoscópica entre amadores e profissionais − como no trabalho de Guilherme Santos −; e a própria fotografia amadora, que lança as bases para uma verdadeira revolução de linguagem, materializada hoje nas tecnologias digitais e nas câmeras em celulares a serviço de uma nova etapa da comunicação visual na sociedade contemporânea.
Augusto Malta/Coleção Brascan Cem Anos no Brasil/Acervo Instituto Moreira Salles. Vista aérea do Rio de Janeiro, da praça Mauá para a zona sul, tendo ao fundo o Pão de Açúcar, c. 1929. Clique para ampliar
Por meio das imagens expostas, é possível acompanhar o processo de transformação no país e na cidade desde a chegada da fotografia ao Rio de Janeiro, pouco antes da posse de d. Pedro II como imperador, aos 15 anos, em 1841, até a revolução de 1930, movimento que abriu as portas para as mudanças econômicas, sociais e políticas que lançaram o país na modernidade. A cidade de hoje é marcada significativamente pelos elementos da vida social e econômica do país nesse período. O crescimento em direção à zona sul, por exemplo, registrado em imagens de Copacabana e Ipanema entre 1900 e 1930, indicam os primeiros movimentos rumo à construção de uma nova cultura na cidade, associada às praias oceânicas, que tanto marcaria os hábitos e a vida dos moradores do Rio ao longo do século XX.
No ano em que o Rio de Janeiro comemora 450 anos, Rio: primeiras poses apresenta fotografias, negativos, álbuns e estereoscopias originais, associadas a imagens digitalizadas a partir do acervo do Instituto Moreira Salles. São imagens que servem não só como uma homenagem aos fotógrafos que, com seus registros, nos deixaram vistas e poses de um período tão decisivo para a cidade, mas também como um convite à imersão na paisagem e na vida da então cidade de d. Pedro II, Machado de Assis, Chiquinha Gonzaga, Pereira Passos, Ernesto Nazareth, Pixinguinha, João do Rio e tantos outros que aqui viveram.
Instituto Moreira Salles